Auto-resgate

Mary estava na piscina onde nadava há alguns meses. Na verdade, ela aprendia a nadar. Primeiro aprendeu a não afundar como um prego. Depois, o “nado” cachorrinho. Estava na fase do uso da prancha de isopor, ganhando forças nos pés e nas pernas. Próximo passo: nado livre ou crawl.

A piscina era meia-olímpica, tinha vinte e cinco metros. Naquela aula, porém, dividiram-na em duas de doze e meio. Havia muitas crianças e, apesar de todas estarem no lado mais raso, nenhuma delas enconstava os pés no chão.

Cansativo isto, pensava.

Pelo jeito outros pensavam o mesmo e um menino-sem-noção subitamente se agarra nela. Não, ele não morria de amores por Mary, nem queria ficar mais perto dela, mas em seu esforço inútil de se manter segurando na raia e não afundar, ele acabou optando por segurar na menina.

Quem sabe ela não me dá uma mão, pensou o garoto? Não, garotos-sem-noção não pensam.

Os dois afundaram. Mas antes, ainda houve tempo para que ela gritasse pelo nome da professora de forma audível e desesperada.

Blop, blop, volta para a superfície a tempo de ver a professora atravessar rapidamente de um lado ao outro da piscina, num salto digno de Tom Cruise em Missão Impossível. Agarra o moleque afogante e afogado. Mary, porém, esgotada e tendo engolido toda aquela água mijada e clorada, tenta se agarrar na professora, afinal ela também queria ser resgatada.

Não, você sabe nadar, disse-lhe.

Foi assim que com apenas oito anos, Mary começou a ver que sua missão era se auto-socorrer. Daí em diante seria vista como capaz, equilibrada, centrada, ponderada. Testava os limites dos outros para, quem sabe, demovê-los dessa idéia estranha. Mas quanto mais falava bobagem, era antipática, arrogante, confiante e, assim, irritando muita gente, todos ainda pareciam acreditar que ela sabia realmente nadar e que não importava o que acontecesse, Mary sempre conseguiria evitar seus próprios afogamentos.

Sobre Monica Carvalho
Pelos motores de busca e por um comentário há tempos aqui no meu blog, imagino a quantidade de figuras que acham que o Nina e eu é o blog da modelo que posou nua na revista. Que desilusão ao perceber que a homônima aqui escreve muito sobre cinema, músicas estranhas, política e comunicação social, quando não escreve uns contos ou umas poesias. Aqui, caro leitor, não tem bundinha de fora, nem peitinho à mostra, nem pelos púbicos ou partes depiladas. Mas às vezes, acabo comentando acerca de umas safadezas que acontecem nesse nosso mundo doido de pedra. Algumas delas são mais indecentes que qualquer imagem de revista masculina. Ai, ai, mundo cruel, sobretudo para os internautas necessitados que na busca de uma fotinho pra aliviar as entranhas, têm que tocar o bicho com meus comentários sobre política internacional ou ao som do Tom Zé.

2 Responses to Auto-resgate

  1. Reynaldo says:

    Nossa, ótimo!
    bjs
    rey

  2. Mônica Carvalho says:

    Engraçado, depois relendo meu post me dei conta de que o poderada estava errado. Eu queria ter dito ponderada. Mas acho que o poderada, de poder, talvez tenha sido “sem querer” mais adequado mesmo.

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