Pequena lição de gramática
17 Dezembro, 2010 1 Comentário
A solidariedade e o respeito ao próximo não são patentes de nenhum credo. Embora muitas religiões reclamem para si o direito de defesa dos princípios considerados mais nobres, estes mesmos princípios não lhes pertencem.
Houve um tempo, antes de a minha filha nascer, em que eu acreditava que uma religião, ou alguma religião, seria necessária para a formação de uma criança. Hoje, não vejo as coisas desta forma. Isto porque minha atual concepção de religiosidade é de tal modo íntima e pessoal, que eu não creio que qualquer um dos modelos existentes seja suficiente, às vezes até necessário, ao desenvolvimento religioso da minha pequena.
A religiosidade enquanto modo de ligação ou acesso ao que é da ordem do transcendente, é uma coisa que para mim é cara. Pode haver os que me considerem mística e, por vezes, até bem estranha, mas não posso ignorar a presença constante do fato espiritual no meu cotidiano. Não é simplesmente uma questão de fé. É uma espécie de hipertexto escondido na minha página pessoal que pode reconfigurar meu modo de ver e agir no mundo em todos os cenários em que tenho um papel qualquer, inclusive quando eu estou “apenas” dormindo.
Um exemplo. Quando eu tinha 8 ou 9 anos lembro de me pegar pensando seriamente sobre a questão da morte. Até esta época eu nunca tinha perdido ninguém próximo e nem sequer tinha ido a um funeral. No entanto, refletia a respeito e comecei a acariciar a ideia de que somos nós que determinamos quando devemos morrer, que a morte seria mais um produto de uma escolha do que uma simples fatalidade. É verdade que é certo que um dia morreremos, mas o limite de nossa vitalidade seria um ato da própria vontade. Que isto não se confunda com o suicídio… Até hoje esta ideia faz muito sentido para mim, embora ela tenha sido pensada em tão tenra idade.
O que mais me incomoda nos principais modelos religiosos existentes é a sua exterioridade: diretrizes de caráter coletivo; rituais; processos; proselitismos; caráter messiânico; apropriações indevidas de ideias, valores e perspectivas sobre o que deveria pautar as relações sociais; determinações do que é sagrado e do que não é. Quanto mais exterioridades, menos respeito parece haver pela auteridade, isto porque muita exterioridade parece imposição de representação. Não é novo o que eu vou dizer, mas infelizmente, muito atos de desrespeito ao próximo aconteceram e ainda acontecem em nome de uma crença religiosa.
Sinceramente, rezo para que um dia os seres humanos sejam capazes de se respeitarem independentemente de suas crenças. Enquanto isto não acontece, tentarei educar minha filha a respeitar todas as que existem. Espero, contudo, que ela não ignore o fato de que esta mesma multiplicidade religiosa, que deve ser respeitada, é principalmente uma amostra de como a espiritualidade pode ser uma maneira muito particular de lidar com o infinito em nós. Que minha pequena seja muito bem-vinda à descoberta do seu próprio universo sagrado de possibilidades. Afinal, religião é um verbo que se conjuga muito bem na primeira pessoa do singular.